... Aquilo que a gente não viveu,
mas intuiu, percebeu ou sentiu... prolonga-se,
vivendo vidas à parte daquela que vivemos... paralelas reais...
Aquele olhar que você ganhou um dia...
Aquele começo de conversa... o namoro perdido...
O romance morto, apenas iniciado...
tudo isso prosseguiu e a frustração pelo não-vivido talvez contenha
a mais rica e intensa das histórias, vividas apenas num espaço e num tempo
além da nossa percepção aparente...
É preciso ter grandeza para construir vidas maiores
do que a própria vida...
missão ou glória...
Não chore a sua frustração. Ela foi apenas a resposta não dada pela vida...
Não tenha inveja dos que vivem a vida com intensidade, alegria, vitória...
Você é capaz de querer tanto, você sabe ser possível viver tanto, que a vida
vivida é pouca e pequena...
Na vida não vivida está aquele olhar que ambos não tiveram coragem de prolongar ou traduzir...
Está a carreira que você não seguiu...
quartos que teríamos e jardins que plantaríamos.
Nunca os vimos, mas conhecemos... Na vida não vivida está aquele
prêmio de beleza sonhado um dia por qualquer mulher...
Na vida não vivida estão os nossos mais altos propósitos: revolucionários, consolador,
poeta épico, maestro, descobridor, monge, patriarca...
estão todos os mais verdadeiros propósitos e aquela nossa pureza:
a que desistiu, ficou amargurada...
Na vida não vivida deixou de ser mera fantasia tudo em que a gente pensa no
percurso de casa para o trabalho, ou quando viaja calado e a
imaginação voa mais alto do que o avião e corre mais do que o trem ou o tempo...
Na vida não vivida está o que a gente tinha na ponta da língua e na hora não saiu, como estão,
com clareza os argumentos da carta que quando escrita não os contém...
profissões inúmeras e tempo para um descanso nunca descansado quando
chega a hora dele...
moradias em lugares tão lindos e tão intensos que impossíveis de satisfazer à lógica da realidade
cá de fora...
Na vida não vivida prosseguiram as infâncias que outros destruíram...
Já o vivido é apenas o que se selecionou para viver.
Para cada vivido há vários não vividos, igualmente
válidos e poderosos.
O Não vivido catalisa, soma, coleciona. Cada vivido
implica a renúncia de vários não vividos...
Por isso, optar não é escolher, é renunciar...
Na festa interior do território do não vivido estão os risos "rindo"; as crianças "criançando"... os pais "paisando"; professores "professorando"... o ser "sendo"... os afetos "afetando"...
No território do não vivido, tudo vira verbo porque tudo vive,
independente da nossa vontade e do corte que lhes demos em nosa tão reduzida vida vivida...
Viver o não vivido, mas existente e insistente: matéria para sábios...
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