Cantar
era uma linda maneira de dizer "Por favor, escute". O Deus da Idade
Média era um Deus que interferia ativamente na vida diária. Um dos sermões
pregados na capela podia muito bem partir de um incidente na vida do santo
específico do dia, como o trampolim para algum ensinamento prático. O dia 5 de
janeiro era dedicado a Simeão Estilita, o eremita que vivia no alto de uma
coluna. Outros dias eram consagrados a Isidoro de Sevilha, que proclamara que devia
haver uma catedral-escola em cada diocese; Santa Genevieva, que salvou Paris de
Átila o Huno, e cuja vela foi apagada pelo demônio quando foi rezar à noite;
São Luciano, que foi aprisionado por causa de sua fé pelo imperador
Diocleciano; São Timóteo, um companheiro de São Paulo que foi apedrejado até a
morte pelos pagãos; São Secundinus, que escreveu o mais antigo hino latino
conhecido na Irlanda; e o eremita São Paulo de Tebas, que teria sobrevivido por
mais de cem anos de devoção e austeridade no deserto.
Cada
herói ou heroína tinha sua lição para ensinar. Na Inglaterra era uma rede de
lugares mágicos. O altar de cada igreja continha as relíquias físicas de pelo
menos um santo. A origem da tradição pela qual muitas igrejas modernas são
dedicadas a um santo determinado remonta ao princípio básico da convicção da
Igreja Romana de que um santo está presente onde quer que se encontrem suas
relíquias. O paraíso era visualizado como algo parecido com a corte real. Deus
sentava ali em julgamento, como o rei, e dispensava mais atenção aos que podiam
alcançar seu ouvido. Quando o rei Ethelbert de Kent recebeu o primeiro grupo de
sacerdotes cristãos que traziam cumprimentos do Papa em Roma, no ano 597,
exigiu que o encontro fosse ao ar livre, para que o vento dissipasse os encantamentos
que pudessem tentar lhe lançar com sua magia estrangeira.
Cinqüenta
anos depois de sua morte, o culto a Beda, o Venerável, como um santo já fora consolidado
pelas testemunhas locais de que suas relíquias haviam realizado curas
milagrosas. A força dos ossos de Beda era tão grande que muitos os reivindicaram.
No coração de Wessex, na grande catedral em Winchester, está o corpo de St.
Swithin, bispo de Wessex em meados do século IX. Ele se tornou o centro de um
culto movimentado um século depois de sua morte. Segundo Aelfric, o
mestre-escola e grande prosador de seu tempo, os doentes iam para Winchester em
vastos números para serem curados. "Num prazo de dez dias," registrou
Aelfric, "duzentos homens foram curados; e tantos em doze meses que nenhum
homem podia contá-los. O cemitério ficava lotado de aleijados, de tal maneira
que não era fácil visitar a catedral.
Como
viveu e ensinou por mais de uma dúzia de anos à sombra do gigantesco Cerne
Abbas, o grande deus pagão da fertilidade, com uma exuberante genitália
esculpida na encosta de greda por cima da aldeia, não é de surpreender que o
irônico Aelfric demonstrasse uma visão imparcial de certas alegações humanas ao
contato com o sobrenatural: "Alguns sonhos são na verdade de Deus, mesmo quando
os lemos em livros", escreveu ele. "Outros são do Diabo, por alguma impostura,
procurando descobrir até que ponto pode perverter a alma." Mas Aelfric não
tinha a menor dúvida sobre os milagres ocorridos no apinhado cemitério de
Wessex no século X: "Todos ficaram tão milagrosamente curados em poucos
dias que não se podia encontrar cinco homens doentes naquela vasta multidão. Aquela
era uma época de fé. As pessoas acreditavam tão fervorosamente nos ossos de
santos quanto muitos acreditam hoje que farelo de trigo, exercícios físicos ou
a psicanálise podem aumentar a soma da felicidade humana. Os santos levaram
vidas reais. Confrontaram seus princípios com absoluto destemor contra a
adversidade... e muitos haviam vivido em tempos recentes, já que não existia um
processo formal de canonização como acontece hoje.
Um amado abade ou abadessa
local podia se tornar um santo em sua localidade poucos anos depois de sua
morte. Manifestações coletivas de pesar como a que acompanhou a morte de Diana,
Princesa de Gales, em 1997, eram o primeiro passo para a santidade no ano 1000.
O passo seguinte era o testemunho dos fiéis sobre a ocorrência de presságios e
milagres. No ano 1000, os santos eram uma presença tão vital e dinâmica quanto
qualquer bando de elfos ou demônios. Constituíam uma comunidade viva, para a
qual se rezava, no meio da qual se vivia.
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