domingo, 5 de abril de 2015

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ABRIL





EOSTRE ERA A DEUSA DO AMANHECER para as tribos da Escandinávia.
  Seu festival especial era o equinócio da primavera, a alvorada do reinado do sol no ano setentrional. A tradição pagã falava do "Rei do Ano", a vítima humana que era escolhida e sacrificada quando o inverno se transformava em primavera. O corpo, enterrado nos campos, voltava à vida por magia, com o crescimento do trigo.
  Todos podiam celebrar o milagre de seu renascimento ao comerem o pão que se fazia com esse trigo. O festival cristão da Páscoa absorveu essas tradições pré-Cristãs. A partir dos cálculos de Beda, a igreja católica inglesa celebrava a Páscoa no primeiro domingo depois da primeira lua cheia depois do equinócio da primavera. Os fiéis eram estimulados a experimentar a Paixão de Cristo em termos quase pessoais. Havia uma tradição de que as pessoas deviam se abster de usar pregos ou ferramentas de ferro na Sexta-feira Santa, por causa do ferro que perfurou as mãos de Cristo no Calvário. No dia seguinte, os fiéis iam à igreja para um sombrio ritual de vigília no sábado, seguindo Cristo para o túmulo. Cinco grãos de incenso eram postos numa vela, representando as cinco chagas do Salvador.
  Nas celebrações do Domingo de Páscoa, a Eucaristia assumia um significado especial, já que a Páscoa era um dos raros dias de festa — os outros eram o Natal e Pentecostes —, em que os membros comuns da congregação tinham permissão para consumir o pão e o vinho. Não se tratava de uma questão de doutrina, mas de disponibilidade. Afinal, não havia tanto vinho e pão para se distribuir todas as semanas. O festival da Páscoa era ainda mais apreciado pelas pessoas que se defrontavam com a realidade da fome. Hoje assistimos à fome pela televisão.
  Mas quase não é uma fonte de ansiedade pessoal para as pessoas que vivem no Ocidente desenvolvido. É outra das distinções cruciais entre nós e o ano 1000, quando a possibilidade da fome sempre existia e atormentava a imaginação.
  "Proverei... as necessidades da vida", prometeu Piers Plowman, na fábula medieval, mas com uma condição: "desde que a terra não falhe".
  As pessoas datavam suas vidas pelos anos em que a terra e o tempo falhavam. As páginas da Anglo-Saxon Chronicle relacionaram os marcos de sofrimento:
975 - Houve uma grande fome...
976 - Nesse ano ocorreu a grande fome na raça inglesa...
986 - Nesse ano a grande pestilência chegou à Inglaterra, primeiro entre o gado...
1005 - Nesse ano houve uma grande fome entre toda a raça inglesa, tão intensa que ninguém podia se lembrar de outra mais terrível antes...
1014 - Nesse ano, na Véspera de São Miguel (28 de setembro), uma grande inundação veio do mar, que se espalhou para o interior, como nunca acontecera antes. Muitos povoados foram cobertos pela água e incontáveis seres humanos se afogaram...
  Esses eram os anos ruins em que os homens eram obrigados a se ajoelhar e a pôr a cabeça nas mãos de seu senhor. Nem mesmo o infanticídio era considerado crime. Beda relata uma comovente história de pactos de suicídio entre as vítimas de uma fome em Sussex no século VI: "Com bastante frequência, quarenta ou cinquenta pessoas emaciadas e famintas iam para um penhasco, ou para a beira do mar, davam-se as mãos e saltavam para morrer, da queda ou de afogamento".
  O jejum era a maneira de a igreja orientar a fome para propósitos espirituais. A Páscoa vinha ao final dos quarenta dias de jejum da Quaresma. Como ocorria no final do inverno, quando os celeiros ficavam vazios, havia
sentido no fato de a Quaresma transformar a necessidade em virtude. O jejum era um processo que elevava as preocupações materiais para um plano superior, um meio de purificação pessoal e a atrair Deus para o seu lado.    
  Talvez a opção pela carência induzisse Deus a conceder a abundância.

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