Buda nasceu nas fronteiras do Nepal, mais ou menos, 620 anos antes de Cristo e morreu nas proximidades do ano 543, em Kusinagara, província de Udh.
Portanto, sob o ponto de vista da idade, muitas outras crenças são recentes, comparadas com a religião (budismo) venerável, que contém a eternidade de uma esperança universal, a imortalidade de um amor infinito, uma fé indestrutível no bem final e a mais altiva afirmação que jamais se fez da liberdade humana.
Certa vez, sobre o jardim do palácio real, num dia de primavera, passou um bando de cisnes silvestres que voavam para o norte; os pássaros voavam alegremente, guiados pelo amor, marcando passo para sua cinta nervosa, com ternos gritos; então, Devatta, primo do Príncipe, retesando o arco, disparou uma flecha e atingiu uma as amplas asas do primeiro cisne, estendidas para deslizar-se pelo livre caminho azul, e caindo agora atravessadas por uma ponta cruel; grandes gotas de sangue mancharam suas penas imaculadas. Vendo isso, Siddartha levantou docemente o pássaro, o comprimiu contra seu peito e sentou-se com as pernas cruzadas, como faz o Senhor Buda, e para acalmar o terror do pássaro arrumou suas asas caídas, aquietou seu precipitado coração.
Enquanto com uma das mãos segurava o pássaro, com a outra retirava a cruel ponta de aço, colocando sobre a ferida folhas frescas e mel calmamente. E a tal ponto ignorava o menino o que era a dor, que apalpou curiosamente a ponta da flecha com a mão e sobressaltou-se ao senti-la aguda e ameaçadora; Então, chorando, acariciou de novo o pássaro.
Chegou alguém e disse: “Meu príncipe atirou num cisne que caiu aqui no meio das rosas e vos roga que lho envieis. “Não – respondeu Siddartha – se o pássaro estivesse morto seria justo devolvê-lo a quem o matou, mas o cisne vive, meu primo só abateu a celeridade divina que o movia estas asas brancas”.
Devatta respondeu: “A ave, viva ou morta, pertence a quem a abateu; quando nas nuvens a ninguém pertence, mas uma vez abatida, é minha”. Então, o Senhor Buda comprimiu contra sua face o colo do cisne e disse gravemente: “Eu vos digo que não! O pássaro é meu. É a primeira das miríades de coisas que me pertencerão pelo direito da piedade e da onipotência do amor. Porque agora sei, pelo que em mim se agita, que ensinarei a compaixão aos homens, serei um intérprete do mundo que não pode falar, e diminuirei o fluxo maldito da dor universal. Porém, se o príncipe não concordar, que submeta o caso aos sábios e esperaremos a decisão.”
Assim se fez e apareceu um sacerdote desconhecido que disse: “Se a vida vale alguma coisa, o salvador de uma vida possui mais um ser que aquele que intentou matá-lo. O matador fere e destrói e o protetor socorre; portanto, o pássaro lhe pertence”. Porém, quando o Rei buscou o sábio para honrá-lo, este havia desaparecido, mas alguém viu uma serpente de capuz, que se deslizava para fora do recinto. Os deuses vêm dessa forma! Eis aí como o Senhor Buda começou sua obra de misericórdia.
Certo dia, o Rei disse: “Vem, meu filho, e observa o encanto da primavera; vê como a terra fecunda está desejosa de produzir suas riquezas para o segador; vê como meu reino – que será o teu reino – alimenta todas as suas bocas e enche os cofres do rei. A estação é bela com seu atavio de folhas novas, flores majestosas e de erva verde”. Caminhavam, assim, através de uma região de fontes e jardins, contemplando os bois que percorriam os férteis prados, alongando seus pescoços robustos sob o jugo opressor.
A terra brotava e enrolava em largas ondas atrás do arado, e o lavrador apoiava os dois pés na relha para cavar um sulco mais profundo. Por outro lado, havia semeadores que iam lançando a semente; toda a mata ria, com as canções que partiam dos ninhos, e todas as brenhas sussurravam com a vida dos seres minúsculos: da abelha, do besouro e todos os animais que se arrastavam, por todos estavam alegres com a primavera. Além, os esquilos caçavam; as mainas, emproando-se, saltavam; o gato montês mosqueado, comedor de peixes, estava à espreita à beira da lagoa; as garças caminhavam pacificamente entre os búfalos, os milhanos davam voltas pelo ar dourado; perto do templo, de brilhantes cores, voavam os pavões; à distância, ressoavam os tambores da cidade para uma festa nupcial. Todas as coisas falavam de paz e abundância, e o Príncipe as via e se regozijava. Porém, contemplando o fundo das coisas, viu os espinhos que cresciam sob as rosas da vida; viu que os camponeses, tostados de sol, ganhavam seu salário com o suor de seus rostos, padecendo para ter o direito de viver, e instigavam os bois de olhos grandes, nas horas de sol ardente, aguilhoando seus flancos sangrentos; Reparou que o lagarto come a formiga e o milhano come ambos; que o falcão pescador rouba o gato montês a presa que este conquistara com trabalho; viu a pêga perseguindo o rouxinol que caçava borboletas coloridas e, assim, cada um dava a morte a um matador e, por sua vez, era morto, vivendo a vida da morte. De modo que aquele espetáculo encantador ocultava uma vasta selvageria, uma horrível conspiração de assassinato mútuo, desde o verme até o homem, que também matava o seu semelhante. Observando tudo isso, o príncipe Siddartha suspirou e exclamou: “É esta a terra feliz que me mostrais” Quanto fel misturado ao pão doce do camponês! Como é dura a escravidão dos bois! Como é feroz a guerra do forte contra o fraco! Mesmo na água não há um único refúgio! Retirai-vos um pouco para um lugar separado e deixai-me refletir sobre o que me fizestes ver.”
E, pela primeira vez, pôs-se a meditar acerca do mal profundo da vida, sua origem longínqua e seu possível remédio. Encheu-se de uma piedade tão vasta, de um amor tão grande para os seres vivos, de tal ânsia para aliviar a dor, que, por sua força, o seu real espírito caiu em êxtase e, emancipado da mancha mortal da sensação e da personalidade, alcançou o Dhyana, que é o primeiro passo no caminho.
O Príncipe Siddartha escutava os Devas e eis aqui as palavras que murmuravam em seus ouvidos: “Somos as vozes do vento, que suspira por repouso e não poderá jamais repousar. Vêde! Tal é o vento e tal, é também, a vida mortal: um lamento, um suspiro, um soluço, uma tormenta, uma luta! Todas as coisas são apenas vozes passageiras que sopram sobre as cordas vibrantes!”
... “O que resta desta vida não é mais que um vago fulgor que vacila antes de extinguir-se: tal é o efeito da idade.”
... E continuou seu caminho, agoniado de tristeza, considerando que os homens temem tanto morrer, que estão espantados pelo temor, que desejam viver tanto, que não se atrevem a amar a vida, antes, a atormentam com atrozes penitências, talvez para deleitar os deuses que recusam a felicidade ao homem, possivelmente, para iludir o inferno, esperando que a alma escapará mais facilmente de sua carne dolorida: “Ó florzinhas do campo – disse Siddartha – que volveis vossas ternas corolas para o sol, felizes por verem a luz, reconhecidas pelo doce perfume, nenhuma de vós renuncia a sua pura existência, nenhuma se despoja da sua feliz formosura! Qual é o vosso segredo de crescer tão contentes, desde vosso primeiro broto, murmurando canções ensolaradas em vossas folhagens? E vós, que tão alegremente viveis nas árvores, abelheiros, rouxinóis, pombos, nenhum de vós detesta sua existência e não se esforça por obter outra melhor, procurando sofrimentos! Porém, o homem, que vos mata é sábio, e a sabedoria, nutrida de sangue, cresce assim no meio dos sofrimentos que a si mesmo e aos outros ocasiona!”
... Encontrou uma ovelha com dois cordeirinhos; um deles havia recebido um golpe que o estropiara e caminhava penosamente, sangrando, enquanto o outro saltava alegremente, e sua mãe, inquieta, corria daqui para ali, pelo temor de perder um de seus pequenos.
Quando o Senhor Buda notou isso, tomou ternamente o cordeirinho ferido em seus braços, dizendo: “Pobre mãe do lanoso cordeirinho, tranquiliza-te; onde quer que eu vá, levarei o teu querido filhinho; é preferível impedir que sofra um animal do que permanecer sentado contemplando os males do Universo nestas cavernas, em companhia dos sacerdotes que rezam.” E seguiu, pacientemente, carregando o cordeirinho, apesar do sol, enquanto a ovelha atenta, balava docemente aos seus pés.
(Todos os ocultistas são unânimes em afirmar que a alma humana nunca reencarna em corpos de animais. Os animais, com o tempo, se individualizam e se encarnam como seres humanos, recebendo a chispa Divina ou mônada, que os torna imortais).
... Ninguém pode purificar com sangue seu espírito; Se os deuses são bons não podem comprazer-se com o sangue derramado. Cada um deve dar conta de si próprio. Segundo esta aritmética do Universo, que distribui o bem ao bom e o mal ao mau, dando a cada um a medida segundo seus atos, suas palavras e seus pensamentos. Esta lei exata, implacável e imutável vigia eternamente e faz com que todos os futuros sejam frutos dos passados. Falou assim com palavras tão misericordiosas e com tal dignidade, inspirado pela compaixão e justiça, que os sacerdotes se despojaram dos seus ornamentos e lavaram suas mãos vermelhas de sangue.
... O Senhor Buda continuou ensinando quão feliz seria a terra se todos os seres estivessem unidos pelos laços da benevolência e não se alimentassem senão de coisas puras, sem derramamento de sangue; os grãos dourados, os frutos brilhantes, as ervas que brotam para todos, as pacíficas águas, bastariam para alimentar e saciar todo o mundo.
E, assim, foi proclamado um decreto, que foi gravado nos seguintes termos: “Eis, aqui, a vontade do Rei: até agora se tem dado a morte a animais para oferece-los em sacrifício e para a alimentação; Porém, a partir de hoje, ninguém derramará o sangue de um ser vivo, nem comerá sua carne, por já sabemos que a vida é única e que a misericórdia está reservada para os misericordiosos.” E uma doce paz reinou sobre todas as criaturas: o homem, os animais e os pássaros, sobre aquelas praias do Ganges, onde nosso Senhor pregou a paz com doce linguagem e santa piedade.
Sempre foi assim compassivo o coração do Mestre, para com todos os que possuem o sopro da vida passageira e estão submetidos às mesmas alegrias e idênticas penas que nós.
“Recolheis o que semeastes. Oferece a todos, pensamentos e atos de amor!”
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