O turismo, como atividade internacionalizada, faz
parte dessa dialética de complementação e competitividade entre lugares e
serviços; ou seja, os lugares turísticos podem ser comparados entre si, mesmo
na escala global, desde que no mesmo padrão de qualidade.
O
turismo, como atividade local e global, seleciona lugares, produz
territorialidades, adaptando ou substituindo atividades econômicas com
distintos modos de produzir. Essa formação de redes, cadeias e polos turísticos
não se dá sem conflitos de usos e pela posse da terra, sem luta competitiva de
negócios, sem resistência popular e até sem evitar choques culturais.
LUGARES
Os
lugares são impregnados de história, de tradições, patrimônio naturais e
culturais com forte identidade e constituem bases para o desenvolvimento do
turismo. Resultam, segundo Soja (1993), de uma produção histórica, espacial e
política e conferem identidade a seus habitantes. É no lugar em que se vive, se
mora e se trabalha, que são produzidas as teias de relações sociais e
espaciais.
Pode-se
dizer que lugares turísticos são aqueles onde o visitante se sinta tão à
vontade e inserido no ambiente, ao ponto de considerar-se em unidade com o
lugar, com os habitantes locais e assumir uma identidade com o lugar mesmo que
temporária - ele não se sente o outro.
É no
espaço local que se constituem as experiências de cada indivíduo - residentes
ou visitantes. Localmente, experimenta-se as contradições do mundo, tal como
observa Santos (2005, p. 161): "Mais importante que a consciência do lugar
é a consciência do mundo, obtida através do lugar."
Os
símbolos, as representações, a cultura e a arquitetura locais apresentam-se
como atrativos na dimensão turística, sendo criado "um imaginário sobre os
lugares turísticos idealizados pelos cartões postais, revistas, sites"
(ALMEIDA, 2006, p. 15). A satisfação do turista está em conhecer o lugar do
imaginário, idealizado, muitas vezes, como um paraíso.
A
lógica do mercado, entretanto, faz com que a necessidade turística de conhecer
pessoas, culturas, expressões e formas de vida dos lugares torne-se secundária
diante da força mercadológica de estruturação da oferta turística, sendo
responsável pela organização da rede de lugares ou roteiros turísticos, das
regiões e polos turísticos.
Na
conjuntura atual, os lugares e empreendimentos são levados a disputar espaços
mercadológicos de forma articulada em rede e pela força regional, mudando as
estratégias de resistência às imposições do mercado global. É com esta
compreensão que as políticas públicas avançam e, de certo modo, conduzem as
políticas comunitárias em torno da regionalização do turismo.
A
constituição de um imbricado fluxo entre as redes virtuais e materiais compõe
os circuitos do mercado turístico. Esses circuitos também são materializados
pelas redes de hospedagem entre grandes cadeias de hoteis, resorts, flats e
mega-empreendimentos, expropriando e ocupando espaços de residentes para
constituírem seus territórios.
A
transformação de lugares em territórios turísticos demanda, sobretudo do
Estado, o desenvolvimento de políticas públicas para implantar redes, arranjos
e regiões turísticas. Para dinamizar o ritmo da produção de lugares turísticos,
programas e projetos são realizados com o objetivo de reordenar o território
para implantação das empresas. Esse é o caso do Programa de Regionalização do
Turismo, do Ministério do Turismo, em implantação desde 2004.
A
proposta de regionalizar territórios e produtos turísticos respalda-se nos
conceitos geográficos de região e de território, espaços geográficos da relação
sociedade/natureza, de interação homem versus ambientes, dando origem a
diversas formas de organização territorial.
Produtos
turísticos são serviços ou atrativos que estão prontos para o consumo, ou
seja, disponíveis no mercado. O que não for vendável é apenas um potencial.
Os
destinos indutores de desenvolvimento turístico devem, portanto, possuir
infra-estrutura básica e turística, atrativos qualificados, tornar-se núcleo
receptor e distribuidor de fluxos significativos de turistas para seu entorno
de forma que dinamize a economia do território onde está inserido.
Os
gestores reconhecem a necessidade de melhorar a segurança nas capitais,
diminuir problemas socioeconômicos, capacitar mão-de-obra, assim como estruturar
destinos de grande potencial turístico no interior, atentando para as questões
ambientais, culturais, patrimoniais e, principalmente, para a educação e o
envolvimento das populações residentes.
INFRAESTRUTURA E APOIO AO TURISTA
Os
lugares se especializam em função de suas potencialidades naturais, de sua
realidade técnica, ou quanto às suas vantagens sociais. Isso responde à
exigência da competitividade crescente, em termos de maior segurança e
rentabilidade, tal como explica Milton Santos (2002, p. 248). Cada lugar assume
um papel na divisão do trabalho turístico de acordo com sua especialização.
Os
serviços básicos essenciais do turismo são transporte (deslocamento), hotelaria
(hospedagem), agenciamento de viagens, entretenimento e alimentação. Os demais
são serviços de apoio ao turista - daí a designação: serviços de apoio.
As
cidades turísticas não necessariamente possuem infraestrutura em todos os seus
quadrantes, contudo, ocorre uma valorização turística dos bairros, avenidas e
ruas melhores dotados dessa condição urbana. A política brasileira, de certo
modo, beneficia a população local ao dotar infraestrutura urbana com finalidade
turística.
Vale
ressaltar que, em alguns casos, as infraestruturas implantadas são para
beneficiar empresas totalmente destoantes das realidades locais, que causam
graves impactos ambientais e arquitetônicos, resultando em estranhamento para
os residentes e até mesmo para turistas, que buscam encontrar nos lugares a
cultura e a expressão locais. As necessidades dos residentes vão de encontro às
necessidades do capital, resultando em conflitos sociais, tornando a comunidade
elemento de resistência.
ARRANJOS
PRODUTIVOS TERRITORIAIS
O
turismo, como as demais atividades econômicas, tende a aglomerar e centralizar
serviços e investimentos em determinados lugares. Isto não acontece de forma
aleatória, mas segue uma organização que interessa à acumulação capitalista.
Os
clusters são exemplos de opções de desenvolvimento regional, por oferecerem
potenciais para criação não apenas de vantagens competitivas e de localização,
mas por criarem e aproveitarem externalidades, priorizam a infraestrutura macia
(chamado capital social) e trabalharem o conhecimento tácito - a cultura, o
sentimento de pertença, a intuição, os valores regionais, a emoção, dentre
outros mais voltados ao homem.
clusters -
Significa agrupamento, coleção, reunião, etc. Conjunto numeroso e localizado de
empresas, em geral pequenas e médias, operando em regime de intensa cooperação,
em que cada uma executa um estágio do processo de produção.
O
Arranjo produtivo territorial objetiva-se nos lugares por seu papel ativo, isto
é, pela participação efetiva dos membros que compõem esses aglomerados,
formados por pequenos negócios dos setores de hospedagem, alimentação, guias
locais e entretenimentos. O objetivo maior é criar melhores condições de vida
para as comunidades. Além disso, chamam a atenção do poder público para a
criação de propostas e políticas públicas que deem sustentação ao
desenvolvimento desses arranjos.
TORNANDO-NOS
EXCELENTES ANFITRIÕES
O
lugar com as pessoas que nele residem são os anfitriões. Prepara espaços para
este acolhimento, entendendo que a hospitalidade urbana não se limita apenas a
oferecer hoteis e pousadas, exige reflexões e estudos, ou seja, capacitação.
Hospedar implica oferecer - além do rancho, alimentação, transportes,
entretenimentos, diversões, informações, educação - uma série de serviços para
que o visitante se sinta bem, como se estivesse em seu lugar.
Até
o século XVIII ninguém viajava com segurança e garantia e as pessoas estranhas
aos lugares eram hostilizadas e temidas, para alguns poderia "ser Deus
disfarçado para fazer julgamentos". Até 1930, aqueles que se hospedavam em
pensões nas capitais brasileiras eram vistos como indignos e suspeitos.
É
com o avanço das cidades modernas que se vai pensar a hospitalidade, ou seja,
preparar lugares especiais para receber bem aqueles que viajam, quando a
hospedagem em hoteis passa a ser digna e confere status social.
Além
dos atrativos naturais e culturais, há outros fatores da atratividade que
tornam os lugares agradáveis aos visitantes. Um deles é a hospitalidade, que
implica mobilização da vontade de líderes, gestores e dos prestadores de
serviços turísticos, habilidade para executá-los, evidenciando os valores da
organização sociocultural local.
A
hospitalidade urbana implica também a acessibilidade, daí a importância de
Planos Diretores para cuidar dos lugares, da cidade, ou seja, das condições de
estrada nas cidades.
Precisa,
portanto, apresentar as referências, sinalizações, signos que orientem
residentes e visitantes. Um mapa bem elaborado que indique todos os pontos da
cidade é necessidade de um turista em um lugar desconhecido. Uma excelente
sinalização urbana ajudaria a sinalização turística, pois quem mais necessita
desta sinalização é quem na cidade habita.
Referências:
ELIAS, D (Orgs.) Panorama da Geografia Brasileira I.
São Paulo: Annablume, 2006.
____. Guerra dos Lugares. In: GONÇALVES, C. V. P. O
País Distorcido. São Paulo: Publifolha, 2002.
UM CASO REAL
Novo Jeito de Caminhar
No
Estado do Amazonas, onde o turismo não é tão intenso, o município de Silves,
localizado em uma ilha fluvial a 300
km de Manaus, vive uma experiência exitosa em termos de
organização comunitária, proteção ambiental e preservação da cultura em torno
de uma proposta alternativa de turismo. Para isso, realizaram ações de
controle, recuperação, defesa e conservação dos recursos naturais e culturais
criando a Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC).
Descobriram
o que cada residente sabia fazer, o que produzia, o que conhecia sobre lagos e
natureza, para inserir estes saberes nas atividades do projeto,
responsabilizando produtores e turistas quanto aos impactos. Assim, definiram
um projeto comunitário de ecoturismo que conserva o meio ambiente, valoriza as pessoas, a
cultura, gera oportunidade de trabalho, envolve residentes e amplia a
participação de todos.
Construíram
o Hotel Aldeia dos Lagos, em área cedida pela prefeitura. Depois de treinada e
capacitada, a comunidade assumiu a gestão dos negócios turísticos. As
comunidades ribeirinhas do entorno de Silves foram convidadas a fornecer os
produtos necessários ao hotel, aumentando assim a produção e a venda dos produtos
rurais, do pescado, artesanato e incentivando a produção de novos produtos.
Isto é, desenvolveram arranjos produtivos locais que vieram reforçar a cadeia
produtiva do turismo em ambiente de economia solidária.
A
maioria passou a se interessa direta e indiretamente pelo turismo,
envolvendo-se com os serviços turísticos, desde guiamento, definição das
trilhas, condução dos barcos para pesca e passeios, produção de alimentos,
pescarias, cultivo de hortas orgânicas, coleta de frutas dentre outras atividades
que realizam. Estruturaram a primeira Cooperativa de Turismo da Amazônia que
congrega associados e articula os trabalhadores dos serviços turísticos.
O
projeto caminha para auto-sustentação, a gestão é comunitária com participação
de instituições governamentais e ONGs. Silves agora aparece nos roteiros
nacionais como um caso de sucesso no eixo comunitário, ampliando atrativos. O
que lembra o poeta amazonense Thiago de Melo: "Não tenho um caminho novo.
O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar."
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